15 MAI 2025
Nos últimos cinco anos, o INSS autorizou 91 instituições financeiras a operar empréstimos consignados com aposentados e pensionistas. O que deveria ser uma política de acesso ao crédito com segurança e controle se transformou em um campo fértil para fraudes, falsificações de assinaturas e a repetição de esquemas criminosos que lembram os piores escândalos da história recente do país.
Esse novo e assustador cenário é desvendado pelos repórteres Luiz Vassalo e Artur Rodrigues, do portal Metrópoles, em matéria exclusiva na tarde desta quinta-feira (15).
A dupla detalha que acordos, celebrados por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), os mesmos utilizados pelas entidades que protagonizaram a bilionária “farra dos descontos”, envolvem os mesmos personagens, os mesmos moldes e os mesmos vícios.
Entre os bancos autorizados estão nomes conhecidos do público, como o BMG e o C6 Bank, ambos alvos de multas milionárias, condenações judiciais e investigações por práticas abusivas e fraudes. O BMG, por exemplo, tem um passado marcado por envolvimento com o escândalo do mensalão e, hoje, volta à cena com contratos fraudulentos que abastecem esquemas de desconto indevido no contracheque de aposentados, agora, via empréstimos consignados e cartões de crédito consignado, uma nova modalidade de endividamento silencioso.
A engrenagem do esquema se completa com os correspondentes bancários do BMG. Bancados por entidades como Ambec e Cebap, também investigadas por fraudes em mensalidades associativas, esses agentes atuam como captadores de vítimas, aliciando aposentados para se “filiar” a entidades fantasmas em troca de empréstimos. Os correspondentes recebem por cada filiação concretizada, mesmo sem o consentimento ou conhecimento do beneficiário.
Um dos representantes do banco, por exemplo, além de ter contratos com Ambec e Cebap, já foi condenado a indenizar aposentados por fraudes em consignados. A repetição de nomes e estruturas chama atenção: os mesmos dirigentes que assinaram os acordos com entidades suspeitas de propina são os que firmaram contratos com bancos.
Só o ex-diretor de Benefícios do INSS André Fidelis, atualmente investigado por suspeita de ter recebido R$ 5,1 milhões em propinas, assinou dez acordos com bancos. Fidelis foi exonerado após as revelações do escândalo das associações fantasmas. Mas seus atos continuam vigentes: os contratos firmados por ele ainda estão ativos e seguem permitindo descontos automáticos na folha de pagamento de milhares de aposentados.
Exemplo
Silvania Lameirinha, 71 anos, moradora de São Paulo, é uma das vítimas dessa engrenagem. Ela recebeu um cartão do BMG há três anos. Nunca desbloqueou, nunca usou, mesmo assim descobriu, após a deflagração da operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que pagava há anos R$ 200 mensais de uma dívida que não sabia existir.
Ao consultar seu extrato do INSS, viu outro susto: um desconto de R$ 1.279,19, ao longo dos anos, em favor da desconhecida Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionistas (AASAP). Os descontos, assim como o cartão, foram autorizados sem sua permissão. Falsificações de assinatura já foram identificadas em perícias semelhantes.
Assinaturas falsas, milhões em jogo
Casos como o de Silvania multiplicam-se. Segundo levantamento do Metrópoles, mais de 100 ACTs foram assinados com instituições bancárias desde 2020, sendo 40 apenas naquele ano, auge da pandemia, quando o crédito foi liberado como alívio emergencial. O resultado foi uma escalada de dívidas e descontos silenciosos. O volume anual de crédito consignado saltou de R$ 57 bilhões, em 2021, para R$ 90 bilhões, em 2023, de acordo com auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).
Somente em 2023, o TCU identificou 482 mil filiações a entidades suspeitas feitas em datas coincidentes com novos empréstimos. O vínculo é direto: as associações, os bancos, os mesmos intermediários.
Outro nome na lista perversa é o C6 Bank, que acumula ações no Ministério Público Federal e ao menos R$ 7 milhões em multas aplicadas pelo Procon. Em 2020, teve suspensa a operação de crédito consignado pela Senacon, ligada ao Ministério da Justiça. Em processos, o banco apresentou contratos com assinaturas contestadas. Há denúncias de que aposentados jamais solicitaram os empréstimos que geraram descontos mensais.
Após nova onda de denúncias e sob pressão do TCU, o novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, suspendeu no último dia 8 os novos descontos de empréstimos consignados a todos os segurados. A medida busca conter a sangria e dar tempo para revisão dos acordos.
Ainda assim, o estrago está feito. A estrutura que permite a fraude continua ativa, amparada por contratos válidos, mecanismos obscuros de cobrança automática e uma cadeia de agentes públicos e privados que operam à margem da legalidade.
A operação da Polícia Federal, batizada de Sem Desconto, já aponta para R$ 110 milhões em pagamentos suspeitos feitos por entidades a empresas operadoras de crédito consignado.
O escândalo dos consignados mostra que, enquanto o sistema não for refeito do zero, o bolso dos aposentados continuará sendo saqueado em plena luz do dia. E com carimbo oficial.
Autor(a): BZN